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Consultor e Palestrante

Nem criativa, nem esotérica, nem destrutiva. Respeitem a contabilidade!!!

Há mais de uma década atrás tomei contato pela primeira vez com um poema que me encantou. A versão que chegava às minhas mãos dava conta de ter sido encontrado embaixo de um estrado num campo de concentração após o Armistício.

Os versos até faziam sentido com a situação da narrativa. No entanto, muitos aspectos me inquietavam. Teria sido escrito num fragmento de papel ou num pedaço de madeira? Sem caneta ou lápis, com que meios o prisioneiro anônimo teria escrito a sua mensagem? Pouco me importava se a estória era verídica. O que marcou foram as estrofes. Seu título: “No caminho com Maiakovski”.

Desde menino sou curioso. Vejo um objeto e me pergunto quais serão seus múltiplos usos, além daquele que parece óbvio. Cheguei a fazer uma viagem à Itália, levado pela curiosidade suscitada num debate na Livraria da Travessa, no Leblon (RJ) sobre uma certa prisão na comuna de Volterra, na região da Toscana, Província de Pisa, que usa a culinária para reintegrar presos à sociedade (http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2013/02/prisao-na-italia-usa-culinaria-para-reintegrar-presos-sociedade.html). Estou longe de ser incrédulo. No entanto, gosto de ver para compreender.

Ora, diante de um nome pouco comum – Maiakoviski, logo consultei o Google para pesquisar sobre tal personalidade. Eis que me deparo com a biografia de Vladimir Maiakovski, nascido no Império Russo, cognominado o “Poeta da Revolução”. Porém, nada de associar sua obra com os campos de concentração mantidos pelos nazistas, e muito menos com os versos que li.

Entre as muitas verdades (e algumas inverdades …) Que circulam pela internet li, com espanto, o poema ser atribuído a alguns autores desconexos com o estilo dos versos que me instigavam, como o argentino Jorge Luis Borges, o colombiano Gabriel García Márquez, o alemão Bertolt Brecht, o ucrânio-estadunidense Wilhelm Reich e o senegalês Leopold Senghor, entre outros.

Até que, num dado momento, tudo se esclarece quando o autor de novelas Manoel Carlos colocou o tema num diálogo entre personagens de um capítulo de “Mulheres apaixonadas”, da Rede Globo. O niteroiense Eduardo Alves da Costa (http://geracaoeditorial.com.br/caminho-com-maiakovski-no/) era o verdadeiro autor. Isso mesmo: um autor fluminense, do Rio de Janeiro. Dilema resolvido; livro adquirido; obra sorvida letra a letra, palavra a palavra, verso a verso.

Até aqui, tudo muito instigante, concordo. Mas, afinal, qual o sentido dos versos e a sua associação com a contabilidade, há de se perguntar o leitor desse texto que até aqui me acompanha.

Diz eduardo, em “No caminho, com Maiakovski”:

Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.

Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.

Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.

Pronto! Desvendado o primeiro véu, vê-se que o poeta alerta para a sequência de uma série de omissões, e suas consequências para quem se omite.

E aonde entra a contabilidade nesse contexto? Explico: na primeira noite, falou-se sobre a contabilidade criativa com um tom pejorativo. Algumas vozes, aqui e acolá, procuraram esclarecer as teses acadêmicas a respeito dessa prática contábil. Um exemplo, o artigo do contador Cláudio Marcelo Rodrigues Cordeiro, professor da Faculdade Santa Cruz / Inove, de Curitiba, publicado pelo CRC do Paraná (http://www.crcpr.org.br/new/content/publicacao/revista/revista136/contabilidade_criativa.htm)
Com embasamento acadêmico, o articulista traça as sutis fronteiras entre práticas técnicas internacionais vinculadas ao tema, e a busca de fraudes por aqueles que impropriamente se valem dessa teoria. Em certo trecho Cláudio Cordeiro, após mencionar a opinião de quatro renomados autores (Griffiths, Naser, Monterrey e Jamerson), conclui: por apresentar sua própria definição sobre contabilidade criativa “prática contábil que está no limite entre o que é permitido legalmente, pelas próprias opções que as normas e leis estabelecem, e o que é considerado fraude/manipulação, para lesar a terceiros”. A opinião de Cordeiro é baseada no fato de que é muito difícil estabelecer os limites onde começa a manipulação com intuito de fraude e quebra de ética, e aquela utilizada para a boa gestão da empresa, procurando refletir a sua “imagem fiel”.

Mesmo com opiniões respeitáveis como esta, o fato é que o termo “contabilidade criativa” acabou consagrado pela Wikipedia em um verbete com a seguinte afirmação: “Uma manipulação da realidade patrimonial da entidade, onde os gestores utilizando-se das flexibilidades e omissões existentes nas normas contábeis alteram propositalmente o processo de elaboração das demonstrações contábeis, alterando significativamente a verdadeira situação patrimonial da entidade.” (sic) Dura realidade ver a ciência, a técnica da contabilidade maculada com tal qualificativo.

Pois então, mais adiante, “na segunda noite” (parafraseando Eduardo Alves da Costa …) A então presidente da República Dilma Roussef, em entrevista concedida a 10 jornalistas em 13 de abril de 2016, usa uma figura de retórica e assim se refere ao ser indaga sobre vazamentos de notícias: “Queridos, eu fui investigada, virada dos avessos, eu não estou com um Impeachment sobre contas, uma contabilidade esotérica, sabe por que é uma contabilidade esotérica?” E, sem responder à sua própria pergunta, deixa no ar um segundo e lamentável estigma (http://fernandorodrigues.blogosfera.uol.com.br/2016/04/14/leia-a-transcricao-da-entrevista-de-dilma-rousseff-em-13-abr-2016/) dito, feito e publicado. E ninguém disse nada …

Até que um dia, em discurso na comissão especial do impeachment, em 2 de maio de 2016, o procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União, Júlio Marcelo de Oliveira disse “que o governo da presidente Dilma Rousseff fez uma “contabilidade destrutiva” às contas públicas do país …” (sic) (http://oglobo.globo.com/brasil/procurador-do-tcu-diz-que-dilma-cometeu-contabilidade-destrutiva-fraude-fiscal-19209979). E, uma vez mais, aqueles que promovem a contabilidade como seu labor e ofício, empalidecidos, se mostram emudecidos, e nada dizem.

Reconheço, por modéstia, ser um coadjuvante na cena contábil. Protagonistas de maior quilate acadêmico e vivência prática no seio da profissão terão maior estatura para levantar suas vozes contra impropérios que desqualifiquem nosso nobre labor. No entanto, como membro da Academia Nacional de Economia, da Academia de Ciências Contábeis do Estado do Rio de Janeiro, como Conselheiro eleito para o Conselho Regional de Contabilidade do Rio de Janeiro, como profissional graduado há mais de quatro décadas, e em honra e memória dos grandes mestres que me iniciaram no ofício da profissão contábil, como os saudosos professores Ivo Malhães de Oliveira (presidente do CFC e da ABRACICON) e Orlando Martins Pinto (presidente do CRC RJ) para dizer com minhas palavras: nem criativa, nem esotérica, nem destrutiva. Respeitem a contabilidade!!!
Isso mesmo. A todos e a todas que pretendam criar novos qualificativos. Respeitem a contabilidade e parem de assacar impropérios com esta respeitável ciência. Cessem o jogo de palavras, a retórica de graça, e sem graça.
Respeito é bom, e nós, os dignos profissionais da contabilidade disso gostamos, e isso exigimos.
Respeitem a contabilidade e o seu importante papel para o desenvolvimento social e econômico de nossa nação.

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