Rio de Janeiro – Origens esquecidas da crise (2)
Fruto da transferência da Capital Federal para Brasília, a Guanabara registra ser o único caso de uma cidade-estado na História do Brasil, resultado de um plebiscito realizado em 21 de abril de 1963, no qual a população se fixou em ter um único município na unidade federada. Coube ao Presidente da República nomear o seu primeiro Governador, o Diplomata José Sette Câmara Filho, cargo exercido até 5 de dezembro de 1960.
Ainda aturdidos com a nova condição de Estado da Guanabara, os cariocas se viam embriagados pela eleição de seu primeiro Governador, o combativo e combatido jornalista Carlos Lacerda, pela maioria do eleitorado Udenista (União Democrática Nacional). Orador contundente, Lacerda imprimia sua verve em tudo o que fazia. É dele a expressão: “Não gosto de política … gosto é do poder. Política para mim é um meio de chegar ao poder ¹”.
Governador enérgico e administrador competente logo nos primeiros dias inicia uma ampla reforma administrativa, modernizando a gestão e tornando obrigatório o acesso ao quadro do funcionalismo pelo concurso público compulsório. Universalizou o acesso ao ensino primário, investiu em obras estratégicas como a construção dos Túneis Santa Bárbara e Rebouças, facilitando o acesso dos moradores da Zona Norte à Zona Sul da Cidade. Enfrentou corajosamente o equacionamento do abastecimento de água, criando o projeto “Água até o ano 2000 – A Obra do Século” e edificando a Nova Estação de Tratamento de Água do Guandu.
Nesse clima de euforia que inebriava a sociedade, Lacerda concebe a celebração do IV Centenário como uma plataforma para a sua candidatura às eleições presidenciais previstas para 1965 ².
No segundo semestre de 1963 foi delineado o plano de defesa do Palácio Guanabara, sede do Governo Estadual. “ O cenário político de então já mostrava, claramente, a disposição do governo federal em retaliar o Estado da Guanabara por sua oposição radical ao sistema dominante. O governador Lacerda, ao lado de importantes lideranças civis e militares, defendia, ostensivamente, a queda do presidente João Goulart. 3“
Eis que em 31 de março de 1964 eclode o movimento revolucionário e o Rio de Janeiro se vê no epicentro dos acontecimentos, com tropas que se dirigem de Minas Gerais para cá.
Para suceder Carlos Lacerda, os cariocas elegem pelo voto direto o Embaixador Negrão de Lima, pelo PSD – Partido Social Democrático. Simultaneamente os Mineiro elegem Israel Pinheiro pelo mesmo Partido para o Palácio da Liberdade. Atribui-se a esses dois resultados eleitorais a edição do Ato Institucional nº 2 – o AI-2 que acabou com o pluripartidarismo no Brasil.
Negrão de Lima governou de 1965 a 1970 e seu governo foi de intensa radicalização política, pois não era o candidato da preferência da ditadura militar, tendo sido alvo, inclusive, de uma tentativa frustrada de seu antecessor visando sua deposição antes de sua posse 4.
Em 1970 o empresário e jornalista Chagas Freitas, se elege pelo MDB Movimento Democrático Brasileiro. Tradicional aliado do político paulista Ademar de Barros acompanhando-o desde o tempo da criação do PSP – Partido Social Progressista, o novo Governador do Estado da Guanabara foi o mentor de política clientelista, distribuindo cargos a seus cabos eleitorais (prática que ficou conhecida como a “política da bica d´água”). O “chaguismo” imperava na política carioca.
Em seu governo, que seguiu até 1975, foi construído o Emissário Submarino da Ipanema, enquanto o Governo Federal inaugurava a Ponte Rio-Niterói (em 1974) e iniciava os investimentos da Usina Nuclear de Angra dos Reis – Angra 1 (em 1972).
Esse é o pano de fundo político que ensejou a promulgação da Lei Complementar nº 20, que em seu Capítulo II decide pela Fusão dos Estados do Rio de Janeiro e da Guanabara.
A efêmera trajetória da Cidade-Estado da Guanabara possibilitou que, mesmo sem ter tido qualquer indenização do Governo Federal pela transferência da Capital para Brasília (muito pelo contrário, perdendo verbas e empregos públicos federais), a Guanabara contabilizasse uma elevada renda per-capita decorrente da arrecadação simultânea de tributos estaduais e municipais, o que viabilizou investimentos em obras públicas, na contramão do vizinho Estado do Rio de janeiro, com sua economia combalida desde 1927.
A sequência de fatos e decisões que formam as origens esquecidas da crise atual do Estado do Rio de Janeiro, atribuída como que exclusivamente à queda do preço do petróleo no mercado internacional, será tratada no terceiro artigo desta série que procura relembrar razões e motivos que impõe à população fluminense as adversidades anunciadas e que recentemente levaram o Governador interino Francisco Dornelles a decretar, de forma inédita na História do Brasil, e às vésperas da realização do maior encontro global da era moderna– os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, o “Estado de Calamidade Pública no âmbito da administração financeira” 5.
4 https://pt.wikipedia.org/wiki/Negr%C3%A3o_de_Lima visitado em 10/09/16
Ilustração: Inauguração da Ponte Rio-Niterói http://orescator.blogspot.com.br/2010/03/ponte-rio-niteroi-completa-mais-de-30.html
Joper, o nome desse artigo poderia ser: “Meu Rio de Janeiro – teu passado te condena”. Aqui, os fins não justificam os meios, mas o final é justificado por nossa própria história política. Parabéns pelo riquíssimo artigo, uma aula de história e política brasileira.
Estimada Patricia Sena: nós e as gerações que nos sucedem precisam conhecer, compreender e aprender com o passado para construir o presente/futuro. Um de meus sonhos e contribui para a consolidação da “Nova Cidadania Fluminense”, o que se dará pelo engajamento de líderes da sua expressão.
Excelente aula de história e política.
São fragmentos, Tatiana, que nos ajudam a entender como o futuro pode ser traçado a partir da referencia que o passado nos propicia. Sua mensagem é cativante.
Excelente conteúdo, fica aqui registrado meus agredecimentos pela oportunidade de ler esse artigo. Att Luiz Carlos Casante
Luiz Carlos Casante: Sua visita e comentário são de grande valor e me incentivam a prosseguir com essas “memórias”. Abraço fraterno do Joper Padrão